13 Jul 2011
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É dando que se recebe

Dia a dia, Vida na Inglaterra, Vida no Exterior

Ontem eu participei de um evento super legal aqui em Londres, organizado pela ONG EBP e ELBA com o programa “Head to Head”. Então passei minha manhã toda fazendo trabalho voluntário numa escola pública para meninas de origem “étnica” no Leste Londrino.

O Leste de Londres, tem umas areas super legais e trendy, mas é tambem considerado uma das areas menos “Inglesas” e mais barra pesada da cidade. É ali que se concentram comunidade de imigrantes (muitas vezes ilegais) e quase sempre que lemos em jornais sobre violência e guerra de gangs, provavelmente o problema aconteceu no lado leste da cidade. É ali tambem que tem o maior índice de desemprego do país (na casa dos 15%) e a maior concentração de famílias vivendo de benefícios do governo.

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As pessoas até brincam que se largarem um turista em plena Commercial Road (uma das principais avenidas da região), você ia jurar que estava em Dhaka (capital de Bangladesh) e não Londres… Homens de turbante e mulheres de burca é uma cena mais comum por ali doque em muitas regiões do Oriente Médio, por exemplo.

Na verdade essa é uma região que em sua grande maioria é bem “familia”, mas o problema mora justamente por eles serem fechados em suas comunidades, limitanto seu acesso a educação, empregos e oportunidades melhores, oque consequentemente faz com que essa região de Londres esteja entre as mais pobres do pais. Eu fiquei até meio chocada de ler os relatórios e os fatos que a ONG mandou, pois é dificil de acreditar que numa cidade como Londres exista tanta gente vivendo em condições sub-humanas.

Então eu tentei me envolver em programas onde au poderia realmente usar minhas experiências pessoais e profissionais pra ajudar alguém, e me inscrevi no programa de “mentoring” da escola “Mulberry”, que é uma escola secundária pública que atende apenas meninas no bairro de Whitechapel.

Eu fiquei imaginando que ia chegar num CIEP caindo aos pedaços, e me surpreendi de encontrar uma escola moderníssima, limpíssima e com todos os aparatos tecnológicos possiveis.

Logo de manhã cedinho tivemos a primeira reunião com o diretor da ONG e o Reitor da escola que nos deu uma breve explicação sobre o perfil das meninas que íamos conhecer, e o porque desse programa, e porque a ajuda é tão importante.

Quando eu falei do meu voluntariado no Twitter, me perguntaram oque seriam “meninas étnicas”, e o único motivo pelo qual eu fiz essa distinção, é porque infelzimente, em paises de “1ª mundo” como a Inglaterra, geralmente a pobreza e a falta de oportunidade são exclusivas das minorias raciais.

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Portanto essa escola atende apenas meninas de descendência Bengali, Paquistanesas, Afegãns e Indianas – não por seleção, mas porque a escola fica – fisicamente –inserida no coração da maior comunidade Bangladeshi e Paquistanesa de Londres, em Whitechapel. Tanto que o uniforme da escola (na Inglaterra, ao contrario de outros paises Europeus ou EUA, as escolas públicas usam uniforme) foi adaptado para atender a cultura das alunas, e hoje em dia nada mais é que uma burca, ou túnica com lenço cobrindo a cabeça (o uniforme “normal” de uma escola Inglesa típica é um terninho, tipo Harry Potter).

E foi justamente por isso que quis fazer parte dessa ONG e me voluntariar nesse programa – as alunas da escola Mulberry fazem parte de uma comunidade e uma cultura onde mulher não tem vez. A idade média das meninas que conheci era de 15 anos, e todas tinham responsabilidade dupla de cuidar da casa, dos irmãos mais novos, cozinhar, lavar, passar. E ainda por cima, muitas delas já eram casadas! Eu me surpreendi inclusive de ver que apesar de todas serem nascidas e criadas em Londres e terem frequentado escolas Inglesas a vida toda, elas vivem numa comunidade tão fechada, que nem sequer consideram Inglês como sua língua materna, e muitas delas inclusive tinham sotaque fortíssimo. Então essas meninas não só vivem numa das regiões mais “marginalizadas” da cidade, como ainda por cima fazem parte de uma comunidade onde elas não tem “modelos” femininos que as possam ajudar, instruir, conversar – oque muitas vezes significa que elas não terao oportunidade de ter uma vida melhor doque a vida de suas mães, avós, tias, etc.

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O meu papel no programa foi em ajudar as meninas da série 10 (equivalente ao 2º ano do 2º grau no Brasil) a escreverem currículos e se prepararem para entrevistas de trabalho e estágio (o curriculo escolar na Inglaterra é bem diferente do Brasileiro e Portugues, e a escolaridade obrigatória só vai até o ano 11, então muitos alunos fazem cursos profissionalizantes ou estágios no último ano de escola), alám de dar a elas uma oportunidade de conversar com mulheres (tambem tinham alguns homens no programa, e todos são bem vindos a ajudar) fora de sua comunidade, que possam responder perguntas que não fazem parte de seu “mundo”.

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Muitas delas queriam saber, por exemplo, como era Canary Wharf e oque acontecia mesmo dentro de um banco, e se a gente via dinheiro o dia todo!

Podem parecer perguntas bem bobinhas, mas elas sao meninas no auge da curiosidade da vida, vivendo numa cidade fervilhante como Londres e mal sao permitidas de sair de casa!

Então além de um bate papo informal, eu dei dicas de como organizar um CV (quando não se tem experiencia nenhuma), como se comportar numa entrevista e o tipo de pergunta e resposta que elas deveria estar preparadas pra responder.

Foi incrível ver que algumas meninas super, super inteligentes, com notas A e A+ em todas as materias que acham que não podem fazer faculdade porque são mulheres!

Uma delas queria ser decoradora de interiores, e me perguntou se meus pais tinham sido contra minha escolha de carreira (oque me deu a enteder que os pais dela não apoiam a idea dela de ter um emprego); e uma outra menina que estava me contando do quanto ela gostava das aulas de mídia, de editar filmes e musica, pintar posters de filmes, desenhar etc, quando eu perguntei/sugeri que ela deveria estudar propaganda e marketing, ela simplesmente ficou me olhando como se eu estivesse falando Grego com ela!

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Foram varias horas de conversa com meninas super simpáticas e educadas, e muito bate papo e dicas sobre não ter medo de conversar olhando nos olhos de alguém (todas se comportavam incrivelmente submissas, principalmente com os voluntários homens), de sorrir e sobre ter vontade de aprender mais sobre o mundo e outras oportunidades em suas vidas.

E pra mim foi uma lição de vida também, um momento de reflexão onde mais uma vez me dei conta de como eu sou sortuda nessa vida, de dar graças a Deus por ter pais e uma família maravilhosa que sempre me apoiou nos meus sonhos e ambições, que souberam me instruir e me prepararam pra vida no mundo real.

Me dei conta de como existe gente diferente no mundo, e mesmo num bairro tão pertinho, por onde eu ja passei tantas vezes achando graça das lojinhas de burcas, existe uma realidade tão diferente da minha e tanta gente que não teve as mesmas oportunidades que eu.

Recebi essa foto tirada pelo diretor do programa, junto com uma notinha de agradecimento.

E quem sabe daqui a muitos anos uma dessas meninas vai se tornar uma mulher feliz e bem sucedida, dentro ou fora de sua comunidade, e vai lembrar que um dia, quando ela tinha 15 anos, ela conversou com uma moça Brasileira que deu algumas horas de seu dia pra conversar, dar conselhor e dicas, que podem, quem sabe, um dia ajudar a transformar sua vida!

 

 

 

 

 

Adriana Miller
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