A leitora Mariana me mandou um e-mail outro dia sobre carreira internacional, e achei que valia um post de “Servico de Atendimento ao Leitor”, que andava desaparecido aqui no blog!
Eu ja fiz varios posts sobre dicas de recursos humanos, e alguns outros esclarecendo duvidas sobre seguir uma carreira internacional, mas o que me chamou a atencao na pergunta da Mariana foi justamente o equivoco, ou a percepcao (errada) que as pessoas geralmente tem sobre a carreira.
“Como conseguir uma carreira internacional de fato atualmente?
O ponto é que, com a tecnologia e a economia atuais, as empresas têm cortado cada vez mais os custos relacionados a tudo, especialmente com relação à “luxos” como viagens para funcionários. Tudo o que pode ser resolvido via skype, e-mail, telefone, etc. é de fato feito.
Aí vem a minha dúvida: aonde de fato pode-se conseguir cargos internacionais que valham a pena, em empresas que parecem mesmo estar dispostas a deslocar funcionários?
O banco em que você trabalha parece ser uma empresa nesse sentido. Não que alguém vá trabalhar em uma empresa só para ficar se hospedando em bons hotéis, afinal, o propósito é trabalhar, mas acho que você entende o que quero dizer. Na sua opinião, uma carreira internacional depende mais da própria empresa? Do cargo? E como procurar o cargo e a empresa certa? Porque pelo que vejo, como falei, não são todas as empresas que oferecem esse tipo de oportunidade.”
A duvida da Mariana tocou no principal equivoco de quem sonha com uma carreira internacional, seja la em qual area ela for. Aquele mundo de glamour, viagem mundo a fora, hoteis de luxo, reunioes high-profile em locais exoticos.
Mas claro, a realidade nao eh bem assim.
Ela tocou num ponto importantissimo: a realidade eh que no mundo de hoje, sao rarissimas as situacoes que realmente valem a pena uma empresa deslocar fisicamente um funcionario de ponto A ao ponto B.
Muito pelo contrario! Cada vez mais as empresas estao investindo fortunas em conectividade, tecnologia “remota” e afins, que diminuem o mundo, sem envolver viagens. Pois alem do custo obvio de uma viagem de funcionario, ainda existe o custo “nao contabilizado” de horas longe do escritorio, dificuldades de acessar sistemas, e todas as outras coisas “praticas” que atrapalham que um determinado trabalho seja feito no dia a dia de um funcionario “viajante”.
Entao se voce esta estudando e lutando por uma carreira internacional, pode ter certeza absoluta que voce passara seus dias sentado na sua mesa/cubiculo, logando em video-conferencias, participando em conference calls em horarios desumanos (sempre tem um lado do globo que sofre mais com o fuso horario alheio), correndo atras de prazos e deadlines que involvam diferentes horarios de trabalho mundo afora, e lidando com diferencas e conflitos culturais (que soam ainda mais exagerados quando todo mundo esta tentando se comunicar em sua segunda ou terceira lingua!).
Ou seja, o dia a dia de uma “carreira internacional” eh exatamente igual ao dia a dia de qualquer outra carreira domestica – e provavelmente ainda mais dificil, pois voce tera que lidar com dificuldades multi-culturais que seus colegas nao terao.
Eu por exemplo, que viajo bastante a trabalho, ainda assim faco 80% de meu trabalho remotamente, via e-mail, video, Blackberry, web conference, e o que mais estiver disponivel entre um pais pro outro, sem sair de minha mesa.
Mas e esses 20%? Como consegui estar na posicao onde estou hoje em dia, e ser – literalmente – paga para viajar?
Bem, vamos dar um passo pra tras.
Tecnicamente eu ja trabalho “internacionalmente” a mais de 10 anos – por acaso ou nao, isso foi acontecendo aos poucos e eu fui agarrando as oportunidades, pois realmente sempre foi uma coisa que quis fazer e uma area que quis me especializar (ja contei mais sobre isso nesse post aqui).
E pensando bem, os primeiros 6 ou 7 anos dessa carreira internacional foram passados sentada atras de uma mesa, sem nunca colocar os pes pra fora da cidade (no maximo uma ou outra viagem – bem chatas! – a SP ou Rio Grande do Sul quando ainda trabalhava no departamento de exportacao de uma multinacional no Rio).
Mas indo direto ao ponto, sobre o que realmente fez a diferenca e transformar uma carreira internacional em de fato, internacional?
No meu caso, projetos.
Mais uma vez foi por acaso, nao tao acaso assim. Eu tenho uma base em economia e matematica (uma grande vantagem em relacao a meus colegas de RH que geralmente sao de humanas), e um “dom” com sistemas (#nerd).
Me da uma planilha de Excell e estou no paraiso! Se a planilha for extracao de um sistema, entao, melhor ainda! :-)
E sou organizada, adoro projetos. Adoro listas, e timelines, e tudo explicadinho passo a passo. Ah! E apresentacoes! Treinamento, reunioes, o que for. Nao tenho a menor vergonha de falar em publico.
E aos poucos isso foi me dando um “destaque” na area, e fui me envolvendo em projetos dentro de RH – e como ja trabalhava numa area internacional, dentro de RH, muitos desses projetos acabavam envolvendo outros paises.
E assim comecou. E assim permaneci.
Ou seja, como disse acima, 80% do meu trabalho eh feito sentada na minha mesa, de cara pro meu computador, como todo mundo. Os outros 20% sao projetos.
Mas ai, o fato de viajar ou nao viajar entram varios outros fatores, mencionados pelo e-mail da Mariana.
Em primeiro lugar, porque projetos geralmente tem orcamentos especificos, que tendem a ser mais generosos que orcamentos de dia a dia. Entao quando o “projeto” demanda que eu esteja num determinado pais para uma determinada reuniao (ainda que a mesma possa ser feita por video conferencia, por exemplo), geralmente dinheiro nao eh um impecilho, pois o objetivo final eh o resultado do projeto (e quem trabalha com projetos sabe que muitas vezes – principalmente no inicio – o orcamento disponivel eh meio terra de ninguem, e se nao usar, perde!)
Todo o resto que eh BAU (“Business as Usual” em Ingles, ou dia a dia em bom portugues), nao paga nem o onibus ate a esquina.
Outro fator eh a senioridade e nivel corporativo. Hoje em dia eu ocupo uma posicao senior, de “tomada de decisoes”, entao se torna muito mais importante que eu esteja presente nessas reunioes em outras cidades e paises.
Os outros 10 funcionarios que trabalham pra mim em minha equipe, rarissimamente viajam, pois nao so o que fazem eh gerealmente mais pro dia a dia, eles nao tem um poder de decisao na empresa, e portanto sua presenca nao eh tao necessaria. Ja aconteceu varias vezes de alguns deles viajarem comigo, ou em meu lugar, mas isso eh raro, e requer muito mais aprovacoes de custo.
Ou seja, todos eles tem anos de experiencia em RH Internacional, mas raramente saem do escritorio.
(E acreditem, eles nao gostam de viajar! Eh um sacrificio arrastar alguem comigo numa viagem!)
E tem tambem essa coisa do “contato humano” que eh tao importante e valorizado em Recursos Humanos, mas nao tao importante em outras areas. Alguem que tenha mais ou menos o mesmo cargo que eu em Financas ou Tecnologia na minha empresa, por exemplo, provavelmente nunca colocara os pes no aeroporto, pois nao sao areas onde o “cara a cara” faz diferenca. Ja em RH isso eh beeeem diferente, e muitas coisas que poderiam ser facilmente resolvidas por e-mail, nao sao, simplesmente porque nao podem ser.
E claro, a empresa em si tambem influencia bastante nesse ponto.
Empresas multinacionais tendem a ter orcamentos de viagem, e politicas corporativas de viagem muito mais “generosas” que empresas menores. Mas obviamente que o banco onde eu trabalho nao selcionou o Ritz de Paris, ou o Armani de Milao pensando nos pobres coitados de Recursos Humanos!! A politica de viagem corporativa foi desenvolvida pensando nos banqueiros, e executivos que geram muitos bilhoes de dolares pra empresa – e como nao podem descriminar internamente, a partir de um certo nivel corporativo, todos passam a ter direito de usufruir da mesma politica (mas ainda assim, dentro dessa politica existe uma “segrecacao” corporativa, que limita gastos diarios com alimentacao, acomodacao, e ate mesmo quem pode viajar de classe executiva ou quem vai na economica).
E ainda assim nem tudo sao flores. Por exemplo, na minha equipe de projeto, tenho um gerente de projeto que eh contratado (ou seja, ele nao eh funcionario permanente do banco), e apesar de estar presente em 95% das viagens que faco, ele nao tem direito a mesma politica de viagens, e portanto viaja de Easyjet e Ryanair, e fica hospedado no Ibis, enquanto o resto da equipe esta no Ritz.
Injusto? Sim! Mas eh a realidade!
Ou seja, ele esta no cargo certo, trabalhando pra empresa certa, mas ainda assim nao se beneficia das mesmas regalias.
Ou seja, viajar ele viaja, e adora, afinal essa eh a carreira que ele construiu. Mas nao da pra negar que o nivel de conforto eh bem diferente, e nao da pra negar que isso tem um grande impacto quando estamos trabalhando longe de casa!
Ah e outra coisa: eu me tornei uma especilista em EMEA (Europe, Middle East & Africa) e moro em Londres, o que torna facílimo (e relativamente barato, corporativamente falando) viajar dentro da região. Se eu estivesse lá do outro lado do mundo, viajar pra Milão pra participar de uma manhã de reuniões, ou decidir ir pra Paris de um dia pro outro seria super raro (assim como nesses anos todos eu fui pouquissimas vezes pro Oriente Médio e Africa do Sul – apenas quando foi estritamente necessário).
Todo o relacionamento que tenho com a America Latina e Asia, sao 100% por telefone, e-mail, video e afins – o custo benefício de me mandar pro outro lado do mundo (infelizmente!) ainda não compensou. Apesar de ser o mesmo cargo, mesmo projeto, mesma empresa e mesmo orçamento. A dinâmica simplesmente não é a mesma, então não rola. E isso também é importantíssimo! Meus equivalentes (e até superiores) baseados nos EUA ou na Asia também não viajam tanto quanto eu, por exemplo.
Entao voltando ao meu ponto inicial, o maior equivoco de quem quer seguir esse tipo de carreira eh achar que de cara a vida vai ser repleta de viagens, hoteis e restaurantes bacanas.
Quando acontece, eh otimo – nao vou negar, e voces NUNCA, nunca vao me ver reclamando!
Mas nunca, jamais, deveria ser o “objetivo” final de quem quer trabalhar internacionalmente, pois a decepcao sera grande!
Para trabalhar nessa area (seja Recursos Humanos, Projetos, Financas, Marketing, ou o que for) voce tem que gostar de linguas, de culturas, das diferencas do mundo.
De achar fascinante um relatorio de imposto de renda do Libano, ao mesmo tempo que acha super interessante o genio explosivo do Gregos, a bagunca dos Italianos e os alemaes certinhos – e melhor ainda quando estao todos na mesma linha telefonica tentando chegar a um concenso!
Ter oportunidade de presenciar tudo isso ao vivo atravez do meu emprego nao tem preco, mas ainda assim eu adoro demais meu dia a dia no escritorio, aprender sobre diferentes culturas e saber me moldar a cada uma delas, sendo verdadeiramente uma profissional internacional.
Adriana Miller, Carioca. Profissional de Recursos Humanos Internacional, casada e mãe da Isabella e do Oliver.
Atualmente morando em Denver, Colorado, nos EUA, mas sempre dando umas voltinhas por ai.
Viajante incansável e apaixonada por fotografia e historia.
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