Depois de ter cochilado por mais de duas horas a tarde, nao consegui pegar no sono de jeito nenhum! E quanto mais eu pensava que tinha que me obrigar a dormir, menos sono eu tinha!
Fiquei pensando no frio, na escuridao, no cansaco, na dor no pescoco e na neve que nao parava de cair do lado de fora da barraca…
As 11 da noita em ponto o guia veio nos “acordar” – tivemos que nos arrumar e arrumar nossa barraca na escuridao total! O café da manha parecia um funeral… Ninguem tinha conseguido dormir direito (ou sequer dormir) e 2 pessoas estavam passando muito mal… Preparamos nossas garrafas de agua com agua fervendo (que congelaram pelo caminho!) e la fomos nos!
Comecamos a nossa caminhada a meia noite e foi uma coisa surreal! A neve tinha parado de cair e o ceu era um tapete infinito de estrelas!
Mas andar na escuridao total, apenas com uma lanterna de cabeca, foi muito mais dificl que imaginava!
A explicacao do porque comecamos a escalada a noite foi bem simples: como o solo nessa area da montanha eh composto de areia e cinza vulcanica, eh um terreno muito difícil de se caminhar… seria como escalar dunas de areia, a 5 mil metros de altitude… Entao durante a noite, como a temperatura esta sempre abaixo de zero, o ano todo, o solo congela e a area + cinza ficam compactas e faceis de andar.
Mas foi dificl nao tropecar nas pedrinhas no chao, e manter o equilibrio na subida quando a unica coisa que conseguia enxergar na frente de meu nariz (congelado) era um foco de luz no logo da mochila do Aaron…
Mas o pior mesmo foi a concentracao mental… depois de cerca de uma hora de caminhada acabei ficando MUITO entediada! Serio! Um tedio fora do normal…! Ninguem conseguia conversar porque mal tinhamos ar para respirar… nao tinha nada para ver a nossa volta… nao conseguia tirar fotos de nada pq estava escuro demais (tirei algumas fotos ao longo da noite, mas a grande maioria ficou fora de foco, ou escura demais, ou sme o menor sentido)… Meus pensamentos comecaram a me enlouquecer e fiquei com um MEGA mau humor!
Foi uma coisa meio claustrofobica como nunca senti na vida. Uma ansiedade esquisita, como se estivesse fechada num lugar escuro…
Para completar, pouco a pouco meus pes comecaram a congelar demais, e jah nao sentia nada do tornolezo para baixo. E somado a isso, umas duas horas adentro da caminhada, meus ombros e pescoco comecaram a doer demais outra vez, ainda sequela da tarde anterior, somado ao frio e estar mais uma vez subindo com a cabeca baixa (para me proteger do vento cortante e para conseguir enxergar onde estava andando…). Sofri calada com a dor por mais ou menos mais uma hora, ate que chegou um ponto em que as “facadas” de dor no meu pescoco se tornaram insuportaveis! E tudo isso contribuindo pro meu desespero de frio, claustrofobia, tedio e dor! Quando estava a ponto de largar a mochila por lah, num canto qualquer (com maquina fotografica, garrafas de agua, capa de chuva, comida e tudo mais), o guia (Makeke) se ofereceu para levar minha mochila e me salvou!
Foi incrivel como aquele gesto me relaxou, e nao estar mais sentido dor aliviou meus outros sintomas…
Mas isso causou um problema ainda pior! SONO! Assim que parei de sentir dor, do nada me bateu um sono avassalador! E nesse ponto da caminhada o grupo ainda estava todo junto, e 2 pessoas estavam se sentindo muito mal e estavam andando MUITO devagar! Para entreter minha mente entediada naquela escuridao eu fiquei contando quantos segundos demoravamos entre um passo e outro, e adivinhem!? 3 segundo por passo! Serio, eh muita coisa! Mas eh o tempo que leva para darmos uma inalada profunda de ar a cada passo.
O problema eh que esse nao era meu ritmo, e meu pulmao estava se virando muito bem obrigada. Entao esses 3 segundos por passo eram o suficiente para que eu pegasse no sono entre um passo e outro! Sabe aquele sono que doi? Incontrolavel? Dei varios tropecoes, porque dormia enguanto andava! Que desespero que aquilo ia me dando! E isso tudo foi virando um transe, onde juntou o sono, a claustrofobia da escuridao, os passos ritmados, o frio e uma alucinacao generalizada (efeito da falta de oxigenio, segundo o guia).
Aliais, tem uma historia interessante nessa parte da alucinacao. No terceiro dia da caminhada o guia descobriu que eu era Brasileira. Entre varios papos de futebol para cah e para lah, ele se deu conta de que o Ingles nao era minha lingua materna e ficou preocupadíssimo! Aparentemente, um dos efeitos da altitude eh alucinacao causada pela falta extrema de oxigenio oque pode causar falta de memoria temporaria, e consequentemente algunas pessoas nao conseguem se comunicar em lingua extrangeira. Entao ele me mostrou seu caderninho-emergencia com frases chave em tudo quanto eh lingua: holandes, russo, frances, espanhol, alemao, etc… e comecou a anotar algunas frases e palavras em portugues tambem. (e o Aaron confirmou que em sua escalada na Bolivia, no ultimo dia ele nao conseguia lembrar o nome da propria irma por nada no mundo!)
Entao quando eu estava nesse momento de transe (e chata para caramba, pois segundo o Aaron eu nao parava de reclamar e tagarelar, enumenrando tudo que eu ia exigir que ele fisesse por mim depois da viagem, afinal era tudo culpa dele e eu soh estava la por causa dele, e aquele era a pior noite da minha vida e era tudo culpa dele! HAHAHAH) o Makeke sacou seu caderninho e comecou a me preguntar varias coisas em Portugues, para ver se minha chatisse era puro cansaco e mau humor ou se era efeito da altitude… mas era soh irritacao mesmo!
E entao algo aconteceu! Um dos senhores do nosso grupo desmaiou! Apagou completamente por falta de oxigenio! Os guias entraram em mode primeiros socorros para levar ele de volta pro acampamento, e entao decidimos dividir o grupo. Nessa divisao eu, Aaron, os dois irmaos Escoceses e um outro cara seguimos na frente com o Makeke, e nesse momento tudo se transformou!
Entramos num ritmo otimo de caminhada, bem mais rapido que estavamos antes e rapidinho eu despertei e sai do meu transe de chatisse! Foi mais ou menos nessa hora que passamos da caverna de William’s Point, que marca os 5 mil metros de altitude e vimos no horizonte o pico Mawenzi pequenininho lah em baixo… E vi tambem como a lua estava LINDA e reparei que o horizonte ja nao estava TAO escuro como antes.
A subida foi ficando mais e mais ingreme e cheia de pedras a medida que iamos subindo, e lah pras 5 da manha, cerca de 5.500 metros de altitude o sol comecou a desapontar no horizonte!! QUE VISTA MARAVILHOSA!!!!
O horizonte comecando a mudar de cores, Mawenzi la em baixo, as luzes da fronteira do Kenya perdidas laaaaaaa em baixo no horizonte. Demos un ultimo gaz, pois queriamos conseguir chegar no primeiro pico do Kilimanjaro, o Guilman’s Point, a tempo do nascer do sol: Tinhamos cerca de 45 minutos para escalar (na unha!) os ultimos cento e poucos metros de altitude.
E conseguimos!
Assistimos o nascer do sol mais fantastico do universo, a 5.600 metros de altitude, no topo da Africa!
Infelizmente ficamos pouquissimo tempo lah em cima – nossas garrafas de agua estavam congeladas, aos poucos o frio foi piorando (eh incrivel a diferenta de temperatura no corpo quando estamos andando e quando paramos por poucos segundos!) e tinhamos que decidir: queremos seguir ateh Uhuru Peak por mais 3 horas, ou nao. Um dos irmaos Escoceses sentou e nao conseguir levantar mais. Ele tinha atingido seu limite e nao conseguia andar mais. E depois o Aaron confessou secretamente que ele achava que eu tambem ia desistir, e se isso acontecesse, ele teria desistido tambem…
Mas nao! Eu fui logo a primeira a sair andando pelas pedras! Aquele por do sol, Mawenzi, os glaciares e tudo a minha volta, tinham me dado um novo animo de energia e eu sabia que TINHA que conseguir chegar ate o final!
Entao nos 4 e Makeke comecamos nossa caminhada final… sao apenas 200 metros de altitude, e cerca de 800 metros em distancia (menos de 1 quilometro!) e Uhuru estava tao perto! Jah conseguiamos ver o topo, viamos os grupos de turistas descendo a montanha, mas foram os metros mais dificeis ate entao.
O pulmao jah nao responde, as pernas ja nao respondem…. Eu comecei a chorar incontrolavelmente… uma sensacao sem igual de nao poder mais, mas saber que jamais me perdoaria se parasee estando ali tao perto (um sentimento que os Ingleses descrevem tao bem com uma unica palavra: Overwhelmed! Eu me sentia completamente overwhelmed e inundada por todos os sentimentos bons e ruins que existem!). E a cada passo eu continuava chorando; diferentes grupos de turistas com seus guias iam descendo pelo mesmo caminho e nos dando forca “You can do it!” “You’re almost there!” “Dont’t give up now!” e eu ia chorando mais e mais (serio, chorei escrevendo esse post, soh de lembrar a inundacao de sentimentos e dores, e tudo mais daquelas ultima duas horas de caminhada!).
Ate que viramos a curva que nos deixou ali… cara a cara com a reta final… com a placa que repete para o mundo “CONGRATULATIONS YOU HAVE REACHED UHURU PEAK 5895 METERS ABOVE SEA LEVEL THE HIGHEST POINT IN AFRICA AND THE HIGHEST FREE STANDING MOUNTAIN IN THE WORLD”!!! (Parabens voce alcancou o pico Uhuru a 5.895 metros acima do nivel do mar, o ponto mais alto da Africa e a montanha mais alta do mundo).
Se eu tivesse oxigenio suficiente no meu sangue e meus musculos, teria dado um pulinho de emocao, e teria feito a danca da felicidade! Mas em vez disso eu chorei. E chorei, e chorei. E abracei o Aaron, abracei o Makeke e saquei minha camera fotografica do bolso interno do casaco! (estava no bolso interno para ficar quentinha, jah que a altitude e o frio podem descarregar a bateria da camera e cristalizar as lentes – entao preferi nao arriscar, e as fotos da subida foram tiradas com minha maquininha velha, que levei soh para registrar essa esclada final!).
Tiramos muitas fotos, por momentos que pareciam uma eternidade la em cima. O Uhuru Peak era so nosso, e tinhamos toda a Africa aos nossos pes!
Mas a pesar do sol estonteante que estava la em cima, o vento era de matar e o Makeke logo nos lembrou que a pesar de termos conseguido chegar ate o final, agora faltava descer tudo de novo!!!!
E entao comecamos pouco a pouco a descer. Dizem que para baixo todo Santo ajuda, neh? Fui nessa feh ladeira abaixo e fui deixando meu corpo ser carregado pela gravidade…
Ate que chegamos de novo na parte onde a areia e cinza vulcania jah tinha comecado a derreter… e a trilha que usamos para subir tinha virado um rebulico de lama preta….
Seriam mais 3 horas descendo (sao 4 horas para descer o mesmo percurso que demorou 9 horas para subir) mas o Makeke propos um atalho que prometia economizar 1 hora de nossa descida! E la fomos nos, praticamente de Ski-bunda montanha abaixo!
Nossas pernas enterravam ate o joelho na areia e deslizava alguns metros pra baixo, enquando ainda tentava desenterrar a perna anterior para repetir o processo. Usei as “bengalas” de caminahda para manter meu equilibrio e dar uma forcinha ao meu joelho, que pouco a pouco ia sentindo o esforco de descer uma ladeira tao violenta e tao rapido, e o peito latejava a cada inalada, com uma respiracao pesada sem oxigenio, mas tudo que eu queria era ir mais e mais rapido e chegar logo la em baixo!
E la fomos nos… 1 hora… 2 horas…. As nuvens subiram e nos alcancaram no meio do caminho, mas eu estava suando em bicas, e jah tinha tirado quase todos os meus casacos… Ate que o guia apontou uma formiguinhas lah em Baixo… “Olha eh o Kibo Hut! Estamos chegando perto! Mais 1 hora e estamos lah!”
UMA HORA?!?! Eu nao aguentava mais nem um segundo… mas tudo que sobre, desce… e fui seguindo meu deslizamento de barranco abaixo sonhando com minha barraca!
Quando finalmente chegamos na entrada de Kibo, varios de nossos carregadores estavam lah nos esperando! Vieram ajudar a nos carregar de volta pras barracas, carregar nossas mochilas e casacos e atender qualquer pededido especial (Agua! Agua!!)!
Fui direto para minha barraca e me recusei a ir almocar – e entao me dei conta que nao tinha comido nada, e mal bebi agua durante as ultimas 12 horas! (e nem fui ao banheiro nesse tempo todo, mas ai jah eh too much information….).
Entrei na barraca com lama ate os joelhos, sem colchao nem saco de dormir… Onde meu corpo encontrou o chao congelado da barraca, foi onde eu fiquei, e apaguei instantaneamente!
Mas cerca de 1 hora depois, os guias vieram nos acordar de novo… era hora de comecar a caminhada de volta, pois tinhamos que descer pro acampamento Horombo, a 3700 metros de altitude, para que nosso Corpo pudesse se recuperar com oxigenio suficiente.
Nossa, e o mau humor que me assolava?!??!
Mas tudo bem.
Arrumei minhas coisas de volta na mochila e comecamos a descer pelo deserto, na direcao contrario de onde viemos (agora estavamos descendo pelo lado sul da montanha)…